segunda-feira, 28 de junho de 2010

Procuro-te

Procuro-te no vértice da circunferência
no espelho de água
no sol rasante da tarde
e nesta lanterna intensa do poema

procuro-te para querer-te
e já antes te queria
perco-me só para perder-te
na capital do estilo
na passerele do tempo
na vacuidade do dia

perco-me porque quero
achar-te na poesia
e se de ti nada espero
procuro-te num bolero
neste pão, numa fatia

e sei que vou encontrar-te
numa ponte de Veneza
um domingo ao meio dia
Fernando Morais

quarta-feira, 14 de abril de 2010

quarta-feira, 24 de março de 2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A passagem

Não, não ia voltar atrás. Sabia que seriam anos longe da família e dos amigos mas não podia ir combater contra pessoas que nem conhecia e que estavam apenas a querer ser donos da sua terra, do seu chão africano. E lá ia na estrada com estes pensamentos entrecortados pela paisagem e a voz radiofónica do Rui a pontuar o tempo — Luís cuidado com a embraiagem! E a 4L paulatinamente no asfalto cumprindo a sua mecânica. Muitas horas depois chegamos a uma casa de lavradores no meio do verde e do granito. Era Março e a natureza estava à beira do cio. Jantou-se qualquer coisa no meio de recomendações e de instruções sobre a madrugada do dia seguinte. Um grande frio do tamanho do medo instalou-se pela noite dentro e, os pensamentos, cavalos bravios e incontroláveis, correram dentro dos cobertores e saltitaram nos dentes. Quase manhã, depois da bucha, na hora em que todas as cores são a mesma, partimos. Lá fora, no mundo indiferenciado e hostil, seguimos o vulto à nossa frente. Passo estugado, silencioso, de quem sabe onde pisa. Tentando ver o invisível, olhos colados na samarra, tropeçando, não distinguindo a pedra da esteva, a terra da água, o céu do serrado, lá fomos seguindo por terreno baixo, contornado pequenas elevações, serpenteando ao longo das ribeiras. — Agora silêncio — disse o homem da samarra e, apontando para uma casa, imitou a postura de um GNR. O suor frio arrefeceu um pouco mais, cantou uma coruja. Prosseguimos com redobrados cuidados e medo. Cerca de uma hora de caminho.
— É ali, só têm que subir esta encosta, Espanha é do outro lado, boa sorte. E desapareceu no lusco-fusco da madrugada. Subimos a encosta com a postura que nos tinham ensinado na tropa, quase a rastejar. Uma estrada, algumas casas, ninguém à vista. Sacudimos a roupa, ganhámos compostura e começámos a caminhar na direcção que tínhamos memorizado no mapa. Subitamente aproxima-se um vulto de bicicleta. Sobressalto até percebermos que é um trabalhador rural. Saudamo-lo no nosso melhor castelhano — Buenos dias. — Bom dia responde o ciclista e segue. Aflitos, muito aflitos, começamos rir ao fim de algum tempo. Continuamos a andar até que avistamos a 4L no sítio indicado. Dentro o Rui e o Luís com ar ensonado mas sorridente. Arrancamos para uma longa viagem.